Conhecendo as tradições universitárias de Portugal
No Brasil, quando uma pessoa entra para a universidade ela é recepcionada pelos veteranos. Esses calouros são carinhosamente chamados de bicho (se referindo ao homem) e bichete (à mulher) – pelo menos em São Paulo é assim.
Normalmente, os veteranos pintam os rostos dos bichos, cortam o cabelo dos homens, fazem brincadeiras e todos vão fazer pedágio nos semáforos (para arrecadar dinheiro e comemorar no bar). Esse é o nosso chamado “trote”. Em Portugal é diferente. Essa recepção entre veteranos e calouros é chamada de praxe.
A praxe acadêmica é a denominação concedida a um conjunto de estatutos e diretrizes que comandam as relações sociais e hierárquicas da comunidade estudantil. Respeitam o protocolo e etiqueta na prática da cidadania acadêmica e as experiências de muitas demonstrações da tradição. A praxe começou em 1957, em Coimbra, e hoje acontece no país inteiro. O intuito é integrar o novo aluno ao curso, à universidade, à cidade, aos costumes, manter as relações acadêmicas e a união entre calouros e veteranos.
Na Utad (Universidade Trás os Montes e Alto Douro) o caloiro, como é chamado aqui o calouro, é quem decide se quer participar da praxe, não é obrigatório. Quem opta por sim, recebe um estatuto com direitos e deveres que deve ser cumprido.
Pude observar que cada curso tem sua cor e a sua marca. Os praxados devem cumprir o estatuto, que inclui, aceitar todas as brincadeiras, comparecer em todas as aulas (não pode faltar) e ficar à disposição dos veteranos das oito da manhã até meia-noite, durante dois meses.
Na primeira semana, no início do ano letivo, acontece a festa de recepção aos novos caloiros, chamada de Caloirada. Uma enorme tenda é montada com atrações musicais, barracas de comidas e bebidas (de cada curso para arrecadação de dinheiro).
O traje acadêmico é a mais alta exteriorização do espírito acadêmico e só pode ser usado por quem participa da praxe. Nas capas são costuradas insígnias obrigatórias e as que tenham significado para o caloiro – as obrigatórias são da União Europeia, a bandeira de Portugal, a cidade onde estuda, da universidade e a da própria praxe.
A semana acadêmica começa com a noite da Monumental Serenata, onde o caloiro será batizado, apresentará seus padrinhos e terá o julgamento para saber se ele está apto a receber o traje e progredir no nível hierárquico. O traje começa a ser usado no primeiro dia do segundo semestre depois do ritual de passagem, na noite da serenata, e deve ser usado até a quinta matrícula (ou seja, o quinto semestre).
Durante o ano ocorrem duas serenatas, uma para a recepção dos caloiros e a outra para a despedida dos finalistas (formandos). Esta semana pude participar da semana acadêmica dos finalistas. A serenata é a abertura do evento. Nos dias seguintes, aconteceram a Missa de Bênção das Pastas (o bispo abençoa todos os finalistas de licenciaturas e mestrados integrados), a Queima das Fitas e o Cortejo Académico.
Os finalistas recebem fitas de cetim com a cor de seu curso e pedem para que as pessoas mais próximas escrevam nessas fitas. Depois são fixadas na pasta e, no dia do ritual, todos os desejos escritos são simbolicamente queimados para que sejam realizados.
Em seguida da queima, todos os finalistas evocam o seu grito de guerra no lago e se lançam na água, molhando uns aos outros. Aqui eu chorei diversas vezes. A família inteira do finalista comparece (mesmo chovendo) e é infinitamente mais emocionante do que a nossa colação de grau.
Outra coisa que chamou a atenção foi ver que os finalistas usavam cartola e bengala com a cor de seus cursos além do próprio traje. Ajoelhados sobre a capa dobrada do traje, eles receberam três bengaladas nessa cartola de alguém que seja importante para eles. Cada uma representava um desejo para o novo ciclo que se inicia. A Missa e a Queima das Fitas acontecem na praça da Igreja Nossa Senhora da Conceição.
Os finalistas alugam um caminhão e o decoram de acordo com as cores e o segmento do curso. Também preparam uma performance para apresentar aos juízes e o caminhão mais original, com a melhor performance, vence o concurso. O Cortejo Acadêmico é um desfile desses caminhões pela cidade de Vila Real com música e astral altos.
E durante toda a semana, à noite, a balada é intensa na Tenda – onde acontece as atrações musicais. Veio até funkeiro brasileiro cantar aqui e isso todos os universitários adoram. Como eu já disse anteriormente, aqui se faz tudo a pé e com esses eventos a cidade está completamente preparada para atender a demanda universitária: ruas fechadas, convênio com a empresa de ônibus (quem tiver a pulseirinha não paga a passagem), escolta da polícia e corpo de bombeiros.
Definitivamente é a formatura mais original e autêntica que já vi na vida. Manter os costumes e a tradição acadêmica é algo que está intrínseco em cada um desses jovens e que os futuros caloiros nunca percam essa essência unida e alegre.
Abaixo é possível assistir a um pouco do ritual de encerramento.
E fica só um trecho do cortejo também:
Um especial agradecimento aos amigos portugueses que me explicaram todas as tradições (Márcia, Maria e Tiago) e à Utad que permitiu a utilização de algumas fotos.
Este conteúdo é de total responsabilidade do autor da coluna Roberta Ortolan. Siga também blog da Roberta.
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