Quando vi, estava casada com um estrangeiro

Ok, casada não. Pelo menos, não aos olhos da lei e de papel passado. Em um relacionamento estável, unida de fato, “amigada”, como dizem na minha terra. Se bem que, seis anos e duas filhas depois, a diferença é meramente de cunho burocrático-documental.

Mas essa coisa de se relacionar com um estrangeiro tem muito que se lhe diga. Ao mesmo tempo em que é apenas isso, um relacionamento, as condicionantes ganham toda uma outra carga dramática, principalmente quando envolve uma etapa à distância.

Eu não planejei essa história de “namoro internacional”. Não acordei um dia e concluí: “Os homens desse país não prestam. Desisto”. Quer dizer, mais ou menos. Em um momento particularmente revoltado e desiludido da minha adolescência, realmente achei que os, sei lá, 100 milhões de homens brasileiros não valiam o meu sofrimento. Risos. Adolescente, pessoal. Vamos dar o desconto hormonal e fica tudo certo.

Existe uma certa crença de que os homens de outros países são mais românticos ou mais comprometidos, que os brasileiros são fanfarrões, infiéis, etc. Durante uma fase eu acreditei nisso, mas é surreal eu reduzir toda uma população masculina apenas a experiências negativas ou positivas. Existem canalhas no Brasil, em Portugal, na Espanha, na Austrália e até na Conchichina, assim como também existem por aí aqueles que valem a pena. Caráter é uma coisa e nacionalidade é outra, apesar de existirem culturas mais ou menos machistas.

O José surgiu em uma fase da minha vida em que eu estava prestes a mudar de cidade pela primeira vez. Estava arrumando as malas no meio do Carnaval para desbravar o Rio de Janeiro, o lugar que mais me fascinava naquela época (naquela época, como se 2011 tivesse sido há 50 anos). Eu tinha um perfil meio morto em um site de relacionamento e uma dia recebi uma mensagem. Daquela mensagem aos telefonemas e Skypes, não tardou. Ao mesmo tempo que o Rio virava a minha casa, aquele sotaque português se tornava cada vez mais familiar e diário. No entanto, ainda parecia tudo tão distante, tão etéreo, tão online.

Até o dia 11/11/11.

Naquele dia, o José desembarcou no Rio e, oficialmente, na minha vida porque eu não conseguia enxergar como seria sem ele. Os quinze dias em que estivemos juntos consolidaram aquele relacionamento que vinha se desenhando há meses. As lágrimas da despedida me fizeram elaborar o plano mais louco de sempre, a meu ver: eu, taurina, senhora segurança e (alguma) estabilidade iria cruzar o Atlântico por amor.

E cruzei, com um mestrado debaixo do braço para fazer, um visto de estudante, contra todos os alertas que me foram dados por quem se preocupava. Na minha cabeça, não existia outra hipótese sequer, não existia outro caminho: eu precisava ficar perto daquela pessoa. Olhando para trás, eu arrisquei muito e a história poderia ter dado muito errado. Não façam isso em casa, crianças! Imagina se no segundo encontro offline com uma pessoa você já aparece de mala e cuia, super expatriada, para dividir a vida. Que loucura!

Uma das coisas que me disseram muito foi que eu era louca de me mudar de país por causa de uma pessoa que eu mal conhecia. E eu concordo, hoje concordo. Não sei explicar bem o que aconteceu aqui, mas com certeza não foi uma decisão tomada de forma racional. No entanto, acredito também que é uma faca de dois gumes porque muitas vezes achamos que conhecemos uma pessoa muito bem, convivemos há anos com ela e, no fim, pode acontecer uma decepção. Quando é para dar errado, dá, aqui ou lá.

Até hoje tem dado certo, mesmo quando dá errado e a treta é inevitável. Muita gente pensa que é chique esse negócio de ter “marido gringo”, que é um luxo, diferentão. Não é não, hein, gente? Passada a fase do romance, aquele encontros com dias contados em que se pensa que o mundo vai acabar quando o outro for embora, fica tudo bem normal. O dia a dia, as questões financeiras, o fulaninho que deixa a roupa espalhada pela casa, a fulaninha que come o chocolate todo e não deixa para mais ninguém, o fim de semana em que não se vai a lado nenhum e fica-se em casa vendo TV.

Está morto o menino romance via SMS

Aliás, é tudo quase normal porque relacionamento multicultural tem as suas questões próprias associadas. Nós aqui falamos o mesmo idioma, Portugal e Brasil não são assim tão escandalosamente diferentes em hábitos, mas temos uma coleção de histórias dramáticas e engraçadas motivadas por “falta de entendimento”. Como por exemplo, o tempo absurdo que levou até ele entender que eu precisava que me trouxesse absorvente do supermercado porque só sabia o que eram “pensos higiénicos”. Teve também o dia em que o chamei brincando de “boi” porque achei a expressão engraçada e ele ficou ofendido, apesar de dizer até hoje que não (“boi” no Porto é o equivalente a corno).

Não consigo nem imaginar como é quando existem idiomas diferentes envolvidos. Tenho uma amiga que é brasileira, casada com um húngaro e eles se comunicam em inglês. Ela já me disse que é bastante cansativo às vezes porque é muito fácil surgir um mal entendido e eu acredito piamente. Se já surge na mesma língua, com o mesmo sotaque, imagina com um terceiro idioma pelo meio.

Para quem está neste barco, ou melhor, neste verdadeiro navio transatlântico, aconselho olho vivo, olhos abertos e coração atento. Em caso de mudança de país, tenha um plano B, uma segurança financeira, sabia com quem contar e não se isole apenas no relacionamento. Faça os seus próprios amigos, descubra o que esse novo lugar tem para oferecer além da pessoa que te levou até lá. Essa independência acaba até por fortalecer a relação e deixá-la mais leve, pois o início de uma vida partilhada já implica por si só muitos ajustes.

Este conteúdo é de total responsabilidade da autora da coluna Uma casa portuguesa, tem certeza?

 

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