Saga da cidadania italiana, parte 1: eu tenho direito?
Ciao cari lettori di Já Fez as Malas, tudo bem com vocês? Perceberam como estou italiana hoje? Isso é porque vou iniciar uma “série” de postagens sobre a minha (futura) cidadania italiana. Recentemente, o assunto caiu em meu colo, resolvi pesquisar e descobri que sou apta a poder tirar esse documento e acho que, apesar de ter que desembolsar algum dinheiro (e eu ainda nem sei quanto), será um bom investimento.
Normalmente, nos deparamos com matérias prontas sobre o assunto e aqui vou compartilhar com vocês tudo o que eu for descobrindo sobre o tema, possibilidades e opções. Vamos descobrindo juntos! Sei que não vai ser fácil e nem tenho a pretensão de resolver rápido, mas vou tentar.
Será que tenho direito?
Passada essa introdução, vamos aos fatos. “Por que eu tenho direito? Será que tenho mesmo?” Selecionei algumas perguntas e respostas importantes nessa fase inicial.
- O que significa ter dupla cidadania?
De uma forma bem geral, a possibilidade de se adquirir dupla cidadania deve-se ao fato da colonização do Brasil por múltiplos países. Graças a isso, muitos de nós temos antepassados vindos de outros lugares. Cada país tem sua legislação e entram alguns conceitos jurídicos como naturalização jus sanguinis e jus solis.
Segundo a legislação italiana, o critério de reconhecimento de cidadania é o jus sanguinis (sangue), e, por isso, todos os descendentes de italianos tem direito à cidadania italiana, de forma que não existe limite de geração, como existem em outras legislações. Não precisa saber italiano, nascer na Itália, fazer macarrão, nada disso.
- Ok, então todo mundo que tiver parente italiano pode pedir a cidadania?
Sim e não. Existem alguns impeditivos ao direito à cidadania.
Cidadania por via materna: O mais famoso deles é a cidadania italiana por via materna. O que acontece é que a antiga Constituição Italiana que vigorou até 1948 não tratava homens e mulheres da mesma forma. Ou seja, os filhos(as) de mulheres italianas com pessoas de outras nacionalidades não eram reconhecidos como italianos, ainda que filhos(as) de homens italianos com mulheres de outras nacionalidades fossem reconhecidos sem maiores problemas. Pois é, isso mesmo que vocês leram.
Porém, com a nova constituição de 1948, essa desigualdade foi finalmente sanada e filhos nascidos de italianas com pessoas de outras nacionalidades passaram a ser reconhecidos como possuidores desse direito. Só que aí vem um problema: por uma obrigação legal, não há como se reconhecer a linha da cidadania de um filho(a) de uma mulher italiana se este(a) tiver nascido antes de 1948, pois estaria em vigor ainda a antiga constituição. Aí complicaria o processo de quem está buscando a cidadania pois o filho ou filha dessa italiana já nasceria sem o direito e não existiria forma dele passar adiante um direito que não possui, entende?
Observem que não tem nada a ver com o sexo do filho nascido. O que interessa mesmo é se nasceu antes ou depois de 1948, pois essa data muda absolutamente tudo. A parte boa é que já existe uma discussão no Poder Judiciário Italiano e há como reverter esse entendimento, mas apenas de forma judicial.
2) Casamento de seus pais: Sim, é estranho em 2018 ver que você terá “problemas” porque seus pais não foram casados. Essa é uma questão que vale pelo menos umas horinhas de pesquisa e um contato com especialista. Em casos de estar tudo certo com a linha ancestral, mas você, como eu, é filho de pais que nunca se casaram oficialmente, terá que se atentar a esse ponto.
Resumidamente, não há problemas caso seu pai e sua mãe tenham declarado seu nascimento juntos. Caso contrário, se somente o pai for o declarante (o que é mais normal, já que muitas vezes a mãe fica no hospital enquanto o pai registra), existirá a necessidade de reconhecimento da mãe por escrito.
Importante mencionar que essa questão do registro tem a ver com quem é o italiano que vai lhe atribuir a cidadania e se ele estava presente mesmo no dia para te registrar e te reconhecer (pai ou mãe). No meu caso, quem irá me atribuir a cidadania é meu pai mesmo e confesso que ainda estou estudando junto à profissionais e volto com mais respostas quando descobrir. Sei que existem questões mais pontuais como filhos de mãe solteira ou registro errado. Ainda que eu tenha pesquisado, são situações mais complexas e exigem um olhar apurado de alguém da área.
3) Antepassados Trentinos: Por fim, outro impedimento bastante significativo tem a ver com a cidadania trentina. Para se encaixar ou não nesse caso você tem que estar mais estudado e saber, pelo menos, de onde vieram seus antepassados. Isso porque, bem resumidamente, se voltarmos há algumas gerações atrás e lembrarmos das aulas de história do colégio, vamos lembrar também da 1ª guerra, da reunificação italiana e da disputa entre o império austro-húngaro e a Itália pela região de Trento, que só voltou a fazer parte da Itália em 1920.
Ocorre que até houve um tempo no qual era atribuída a cidadania italiana aos descendentes de Trentinos e houve uma flexibilização das leis, mas, infelizmente, isso não é mais uma realidade e quem é descendente de imigrante trentino não tem mais direito ao reconhecimento da cidadania italiana por seu sobrenome Trentino. Atualmente, é extremamente difícil (para não dizer impossível) conseguir a cidadania italiana se você vier de uma linha ancestral de trentinos ou outras regiões anexadas pela Itália em 1919. Li que até existe uma discussão a respeito disso e é possível que no futuro essa realidade mude, mas, atualmente, não há nenhuma previsão disso acontecer.
Para que fique claro, essa confusão toda quanto à cidadania dos trentinos destina-se unicamente ao período em que Trento deixou de ser território italiano. Ou seja, considerando que atualmente Trento é uma província autônoma italiana e faz parte do seu território novamente desde 1920, quem tem ancestrais nascidos após esse período não tem com que se preocupar.
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Tô confuso. Então, em termos práticos, como é que faz?
Um resumo para facilitar. Para você ter direito à cidadania italiana, deve comprovar a linha de sangue até chegar em você, ou seja, provar que tem mesmo esse sangue italiano. Não importa se é seu pai ou tataravô, você tem que juntar todos os documentos do italiano: certidão de nascimento, casamento e óbito, até chegar a você!
Se você, assim como eu, vem de uma linha de família de homens (No meu caso, Carmelo>Luiz>Renato>Raul>Renata) e tiver os documentos, pode pedir por via administrativa a sua cidadania. Fica mais tranquilo.
Se, em sua linha ancestral, nasceu o filho de uma mulher antes de 1948, como eu expliquei no item anterior, aí já é mais complicado (porém não impossível). Há a opção de se fazer o tramite por via judicial. Apesar de eu ser advogada, não tenho experiência com a parte judicial, mas recomendo que você não desista e procure um especialista.
Outra questão para se atentar é o fato de seus pais não terem sido casados. Não posso ajudar muito, é preciso analisar caso a caso, mas deve-se ter em mente que quem irá lhe atribuir a cidadania italiana deve ou ter te registrado ou fazer uma declaração de que você é de fato filho.
E, por fim, caso sua linha ancestral seja de origem trentina e seu antepassado tenha nascido antes de 1920, tenho más notícias… É bem difícil conseguir o reconhecimento de sua cidadania ☹
- Sei que tenho parentes italianos, mas não sei quem, não sei o nome, não sei de onde veio, quando veio. Já era minha cidadania?
Bom, por experiência própria, NÃO. Eu comecei a minha tímida pesquisa em busca de meus antepassados mês passado. E olha que minha família está bem escassa de parentes vivos. Porém, estudei muito. Reuni todas as certidões de nascimento e casamento e tenho tentado buscar uma geração acima até chegar no italiano. Contei com ajuda do meu tio e da minha prima e trocando informações encontramos muita coisa considerando que tínhamos nada.
O que posso te sugerir como dica pessoal é encontrar a pessoa mais velha viva na sua família e ir perguntando tudo e mais um pouco. Anote tudo, mesmo que sejam nomes incompletos, períodos e não datas, apelidos, tudo.
O que ajudou a me organizar foi montar uma árvore genealógica. Foi me ajudando a entender quem era quem. Depois disso, comecei a pesquisar esses nomes e fui achando outros e depois mais outros.
Mesmo que você não tenha informações completas, pode pesquisar. Alguns sites excelentes que contém material valioso e muito bacana sobre imigração são o Antenati (em italiano), My Heritage, Family Search (ambos fazem as arvores genealógicas), Museu da Imigração (tem registros de diversos navios e tem que ter paciência para pesquisar) e grupos especializados no Facebook (no caso, recomendo o “Cidadania italiana – área livre” e buscar na lupa termos, sobrenomes e lugares).
Ainda, mesmo que você sozinho não encontre nada, é possível contar com assessorias que te dão uma força nessa pesquisa, tanto no brasil como na Itália. Mas sinceramente acho que vale uma boa busca sua antes de contratar um profissional. Tente. Eu iniciei sabendo apenas que meus tataravôs se chamavam Carmelo e Carmela.
Hoje, descobri que meu sobrenome está errado há três gerações, que meus tataravôs tiveram seis filhos na Itália antes de ter meu bisavô no Brasil, que somos todos da Sicília, e, inclusive, encontrei parentes distantes, como a bisneta do irmão do meu bisavô. Para quem curte esse tipo de coisa, acaba se tornando um passatempo e desafio.
Este conteúdo é de total responsabilidade do autor da coluna Renata Benedetti. Siga também o Instagram da Renata.
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